Caminho I


-Eu pedi! Pedi e a minha madrinha deixou! - Repetiu a vizinha para a mãe que estava sentada à porta a coser sapatos ou a rematar o trabalho que vinha da fábrica de malhas, um desses trabalhos que a distância de mais de 30 anos não permite especificar mas cujas dores nas mãos garantem que estavam sempre lá.

'Pediu e a madrinha deixou', era o que ela dizia. Não fazia sentido.
A vizinha tinha ido pagar uma promessa, a Fátima, a pé. Uma empreitada difícil, sem os apoios que há agora, tão difícil que ela não aguentou ficou a meio e foi aí que pediu. Pediu à madrinha que a perdoasse e deixasse substituir o resto do caminho por 10 voltas à Igreja da terra.
Um mistério para a menina que estava ali a ouvir a conversa enquanto cortava umas linhas - Quem era a madrinha capaz de livrar alguém de uma promessa feita a Nossa Senhora? E ainda por cima numa troca tão desequilibrada? - Perguntava-se. Tudo bem que a Igreja lhe parecia grande, difícil de contornar quando andava por lá a correr antes da catequese, mas Fátima era muito mais longe...
Uma curiosidade que guardou enquanto a vizinha esteve ali a contar como uns dias depois de ter voltado do caminho de Fátima foi dar as 10 voltinhas à Igreja.
Quando a vizinha foi embora, perguntou à mãe quem era a tal madrinha e foi aí que ficou a saber que era a própria da Nossa Senhora. Algo que a deixou ainda mais intrigada.
Levou algum tempo a perceber que era algo bastante comum e não lhe conferia um estatuto especial mas dava-lhe a vantagem de ter a fé de poder negociar com vantagem para si o que, parecendo que não, é muito.






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