Leveza


Morreu o Milan Kundera. 

Não, não vou dedicar-me a obituários, não se preocupem! Não tenho jeito para me dedicar a vidas completas concentro-me demasiado nas episódicas e essas todas juntas não dão a biografia necessária.  

Escrever um bom obituário é mais difícil do que escrever uma boa crónica talvez por isso não exista um escritor português que se especialize em tão laboriosa arte. O serviço que o ‘Expresso’ nos oferece com a curadora avençada do Município de Lisboa a compilar informações do ChatGPT e da Wikipédia, não conta. Um bom obituário implica ter ou criar intimidade com o morto e isso é muito difícil principalmente para alguém tão superficial.

Morreu o Milan Kundera, dizia, e como sempre que morre ou aparece publicamente alguém que há muito tempo não me assomava à memória o meu primeiro pensamento foi ‘olha, ainda era vivo’. Não consigo substituir isto pela consternação geral partilhada em cartelas nas redes sociais.

Em tempos, lia muito o Kundera. Era um período complicado um trabalho penoso, horários irregulares, viagens… não conseguia variar muito nas escolhas nem elaborar muito sobre elas. Lembro-me de uma pessoa que estava a conhecer na altura ter desdenhado com um ‘o Kundera é muito conceptual’. O conhecimento não se aprofundou, mas recordo-me dessa opinião que visava não só desmerecer o autor como também desmerecer-me a mim. Eu lia porque era simples identificar-me com histórias em que o autor via as coisas como eu via e com personagens que procuravam libertar-se do que o destino lhes apresentava. Nunca o senti forçar qualquer conceptualização.

Regressar a um autor quando se anuncia a sua morte é um lugar demasiado comum, mas talvez regresse ao Kundera não só para perceber de onde vinha essa ideia da conceptualização como também para perceber se continua a instalar-se-me com a mesma leveza.

Comentários

  1. Belo Obituário!
    Se vai voltar a Kundera aconselho "Festa da insignificância", um pequeno livrinho com uma fabulosa narrativa sobre um mundo desprovido de sentido onde a insignificância é a essência da existência humana.

    De resto... estimei "vê-la".

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    1. Obrigada, Impontual.
      Estava a pensar nisso (vi o seu nobel de 2018).

      É sempre um gosto revê-lo.

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