Verde


Regressei a alguns lugares do passado. Recordava melhor uns do que outros. Não me lembrava de que ‘Twin Peaks’ tinha tantos episódios. Dois a três episódios por dia e ainda não sei quem matou a Laura Palmer! Também não me lembrava de ser tão paciente com os períodos de insónia nem de como os sonos leves que os medeiam me proporcionam sonhos dos quais consigo recordar algumas cenas.

Raramente me lembro dos sonhos, mas destes em que visito o subconsciente por alguns minutos, se me intrigarem o suficiente para os questionar assim que acordo, lembro-me. 

Numa dessas noites em que depois de tardar a adormecer caí num sono leve e cansativo sonhei que ia a uma joalharia ajudar um conhecido escritor português a escolher jóias. Entrei na joalharia e ele que já estava a ver as peças pergunta-me erguendo uns brincos – Que achas? – tratava-me por tu. E, porque não? Se partilhamos a intimidade de um sonho… insistia – São lindos, não são? – E eu a ver que não, a ver que eram horríveis, mas sem sentir à-vontade para lhe dizer. Então, tentei desmotivá-lo com um – São um bocadinho caros, não? – ao que respondeu com a displicência de quem não precisa de contar trocos – ah, isso não interessa. – Lembro-me de pensar ‘claro! O homem escreve nos jornais, comenta na TV é nomeado para coisas…’ enquanto ele olhava para os brincos deslumbrado. 

Eram grandes, sem brilho, de pedras que pareciam plástico e em três opções: azulão, vermelho e verde. Sentia que ele estava mesmo fascinado com os brincos e como não queria desiludi-lo disse – Se achas que são esses então leva os verdes! –  E sorri, cúmplice.

Os verdes? Como se fizesse alguma diferença. Não sei porque é que disse aquilo, eu nem gosto particularmente de verde… 

Mas o que me intrigou mesmo e fez com que retivesse o sonho foi o ‘mau gosto’ e a sua origem. Acordei a pensar ‘Não fui eu que escolhi os brincos, mas se o sonho era meu, apesar de ter sido o escritor a escolher os brincos, o mau gosto era meu e não dele, certo?’

Não sei a quem é que o ele ofereceu os brincos. Sabia que eram para oferecer, mas não sabia a quem e o sonho terminou quando concordamos no verde. 

Aposto que a presenteada abriu a caixa e, ao ver os brincos, os recebeu com um elogioso ‘ah, e são verdes!’ concordando no gosto comigo.


Comentários