Saraus

 

Não compreendia a insistência do Conde de Lagareyro em convidá-la para estes saraus. Sentia-se deslocada. Toda a encenação que aquelas pessoas colocavam à sua volta a incomodava preferia interagir com os reposteiros e os cortinados do que com elas. 

A pose, as roupas demasiado elaboradas que se desdobravam em camadas, os pós… tudo a retraía em relação aos restantes convidados. Era tudo tão gasto e eram todos tão iguais.

Por mais que o Conde gastasse os seus dons de barítono a anunciá-los esquecia-se rapidamente de quem era quem.

Felizmente, o vento que entrava pelas enormes janelas trazia aromas a flores e citrinos que contrariavam o cheiro a mofo e a naftalina que desfilava pelo salão.

O estado dos cortinados deixava adivinhar que as investidas do Conde à Viúva de Bulhão Pato não tinham sortido efeito. Aparentemente, os zumzuns de que a Viúva de Bulhão Pato tinha fugido com o jovem armado em Casanova que conheceu no último sarau organizado pelo próprio Conde de Lagareyro eram verdadeiros. Um rude golpe para o Conde! De qualquer maneira os filhos do Bulhão Pato, morgado dos Bulhão Pato Bravo, nunca lhe iriam revelar onde é que o pai escondeu o dinheiro antes de morrer e a mesada da viúva nem para um reposteiro dava… Zeus sabe o que faz!

O Conde esforçava-se, mandava vir o jantar de fora, mas eram os empregados da quinta que o serviam. Notava-se pela forma atabalhoada como seguravam as bandejas que eram homens habituados a trabalhos mais físicos, no entanto, eram bons a debitar o que lhes ensinavam sobre a comida que estavam a servir sem nunca terem tido a oportunidade de provar. – Uma espuminha de Ostras, Menina? – Uma espuminha de Bacalhau? – Uma espuminha de sardinha? Olhe que é muito boa, Menina! – Debitavam com muito entusiasmo. Não sabiam que aquilo sabia tudo ao mesmo, sabia tudo a água salgada. Os refrescos eram bons.

Enquanto os acepipes circulavam, repetiam-se os habituais contributos culturais, antes do jantar.

Pareciam-lhe intermináveis.

O Conde insistia que contribuísse com um número, mas escusava-se sempre com a falta de tempo para ensaiar. Preferia esperar pelo jantar.

O Padre cantava uma canção do tempo do seminário, sempre a mesma. Os aristocratas do Norte tentavam sacar umas notas ao velho piano que ultimamente só servia para decoração, enquanto sufocavam na própria respiração ao tentar notas impossíveis para as suas frágeis cordas vocais. Declamava-se poesia, repetiam-se as cantigas de amor e de amigo e o Conde não resistia a partilhar um conto. 

Enquanto os convidados iam agitando os leques para afastar a languidez que o calor lhes provocava, o Conde revelava um sonho ao qual acrescentava uns pontos e todos se deixavam levar pela forma como os encadeava. 

Repetiram-se as salvas de palmas e o mordomo tratou de os encaminhar para a sala de jantar. 

A noite estava só a começar.

Comentários

  1. Bravo! Eu bem disse que a menina Condensa tinha imenso talento! Que delícia a espuminha :) O cheiro a naftalina comichou-me o nariz... e a viúva ainda me está aqui atravessada na garganta :D

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Espero que não sirvam espuminhas no jantar. A viúva só fica atravessada até o Conde começar a cortejar outra...

      Eliminar
    2. o orçamento é limitado, mas sobrou algum feijão verde, muita curgete e alguma abóbora...
      cortejar é um excelente título!

      Eliminar
    3. Ai! Queres ver que o Conde é vegetariano...
      Cortejar pode ser um bom mote, melhor do que o Perdigão e as suas penas.
      Siga ;)

      Eliminar
  2. Ena, não fosse o Mau Tempo e não tinha aqui chegado...
    Espero não perder o caminho para estes e outros saraus.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário