Telemarketers


Telemarketers é uma série documental disponibilizada pela HBO no final de Agosto. Dividida em 3 episódios, percorre 20 anos da história dos autores e principais ‘personagens’ que se conheceram quando trabalhavam num call center americano.

Quando Sam Lipman-Stern deixou o liceu e começou a trabalhar como telemarketer, numa campanha de angariação de doações para fundos e organizações policiais, encontrou um ambiente de trabalho peculiar que resolveu, por graça, começar a filmar. Em 2003, partilhar imagens num canal de Youtube não era tão usual como agora, nem tinha as mesmas consequências, o que somado ao ambiente de trabalho pouco tradicional permitia que do nada sacasse de um telemóvel ou camara doméstica para registar a sala,os colegas e listas com o nome das associações que contratavam os seus serviços bem como dos beneméritos, as pessoas que se comprometiam a doar um valor periódico às associações a que eles diziam pertencer. 

Inicialmente, Sam tinha como único propósito brincar com o que o rodeava e com os colegas. A empresa que o contratou não tinha critérios muito apertados. Estudantes e professores procuravam aquele trabalho para ter um rendimento extra e a eles juntavam-se ex-presidiários, toxicodependentes… necessitados e excluídos que não tinham outras oportunidades e encontravam ali um espaço que os recebia, por isso, apesar de não lhes ser pago nenhum valor adicional por cumprirem ou excederem os objetivos de vendas (angariações) eles assumiam-no como um propósito e apresentavam bons resultados. Como será reforçado, ao longo da série, os recrutadores gostavam muito dessas pessoas porque ninguém se ´vende´melhor, a si e ao pouco que tem, do que elas.

Como cumpriam com os objetivos, mantinham o emprego apesar de durante a jornada laboral dormirem, usarem linguagem violenta, ameaçarem pessoas, consumirem, chutarem, ressacarem ou sofrerem overdoses. 

No meio desse ambiente estava um personagem impossível de ignorar Pat Pespas, a lenda do telemarketing. Um músico que não se cumpriu e assumia cada contacto com um potencial doador como um desafio pessoal. Funcionavam como Shots de adrenalina na rotina que aquele emprego lhe permitia manter. 

É Pat Pespas quem chama a atenção de Sam para o facto de as campanhas de angariação serem uma fraude. 

Um buraco da lei americana permite que sejam constituídas associações que contratam empresas de telemarketing para fazer angariar fundos em nome de Policias, Bombeiros feridos, reformados… sem a obrigação de fazer chegar o dinheiro aos vulneráveis que usam apenas para angariar dinheiro. 

Os números que vão sendo revelados são astronómicos, principalmente para as associações que colocavam ‘polícia’ no nome. O ‘guião’ dado aos telemarketers, que em nada difere do usado pelo telemarketing de vendas, mais ou menos agressivas, para além dos truques habituais para ganhar a confiança do ‘cliente’ indicavam como dar a entender que os comunicadores eram policias e de como um autocolante enviado depois da doação devia ser colado em locais visíveis para que no caso de o ‘cliente’ ser abordado pela polícia se soubesse que era ‘amigo’. Muitas das pessoas contactadas pensavam que funcionava como um suborno ou uma taxa para garantir serviços policiais. Sempre que morria um polícia, ou acontecia uma desgraça mediática as doações aumentavam. 

Pat Pespas, que se torna no personagem principal deste documentário, é um retrato atual de Sísifo. Um Sísifo ciente a sua condição e que a vai enfrentando ora conformado, ora esperança de desmascarar as associações e mudar a lei que as protege. Camus teria nele um bom exemplo.

Juntos os amigos, Sam e Pat, iniciam uma demanda de 20 anos contra as associações 'fraudulentas', interrompida por longos períodos em que perdiam o contacto, mas que não queriam deixar pendente. No seu percurso conhecem ativistas, lesados e políticos mais ou menos sérios.

Duro e cru, com a autenticidade que as gravações amadoras garantem apesar de Sam Lipman-Stern ter tido a colaboração de um primo que desconhecia, mas segundo a mãe trabalhava em cinema ‘a sério’, este documentário é o mote para uma reflexão maior, merece ser visualizado com atenção.



Comentários

  1. Parece muito, muito interessante. Sempre desconfiei dessas campanhas...

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    1. Sim, é interessante. Os EUA são muito agressivos nessas campanhas, mas devemos desconfiar e procurar diretamente as instituições se queremos doar

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