Cinema


'Gosto de cinema', é uma afirmação como outra qualquer, desprovida da profundidade que o outro normalmente espera. – Ai, sim? Gostas de cinema. Então e porquê? – O outro é chato! Não me identifico muito com ele, deixa-me desconfortável. Eu ficaria só pelo – Gostas? Que bom! – Mas o outro quer sempre mais.

Não é que eu ligue muito ao outro, mas como recebi uns meses de assinatura da plataforma de streaming Filmin ao assinar o jornal Público num breve acesso de loucura, resolvi que ia tirar notas de todos os filmes que visse nessa plataforma.Tenho o telemóvel cheio de notas. 

Não caí na tentação de atribuir estrelinhas como os críticos do Público que devem tirar um certo prazer disso – Scorsese? Uma estrelinha! Assim percebem que sou muito exigente e não me vergo aos grandes… Acho que procurava só ser uma espectadora mais emancipada, não esperava erudição, mas também não sei se o que devia esperar era o que à distancia encontrei.

Segue-se um exemplo.

 Ida (2013) by Paweł Pawlikowski

Preto e branco, planos abertos, à distância mostram as actividades das noviças no convento austero. É Inverno e neva.

O lugar é ocupado pelo Silêncio. Ida, noviça, é enviada a conhecer uma tia antes dos Votos. A tia conta-lhe que é judia. A noviça é confrontada com a sua identidade. A tia, juiza, acolhe-a . Ida procura as suas raízes (os túmulos dos pais). A tia também se quer encontrar no confronto com o passado (um filho perdido) Viajam à aldeia em busca do passado, são rejeitadas, dão boleia a um jovem rapaz (músico) Chegam a acordo com o descendente do homem que matou a família, ele mostra-lhes os restos mortais em troca da casa de que o pai se 'apropriou' e conta que foi ele quem levou Ida (bebé) ao padre. Salvou-a. Carregam os ossos consigo. Enterram os ossos no jazigo da família. Tentam recuperar-lhes a dignidade. Ida volta ao convento. Prepara os votos. O lugar e o tempo voltam a ser ocupados pelo Silêncio. Ida não se sente preparada, não faz os votos com as colegas. A tia tem saudades dela, sente-se só e come pão com manteiga polvilhado com açúcar. Eu tenho saudades de pão com manteiga polvilhado com açúcar, de sandes de bolachas Maria com manteiga...

A tia suicida-se.

Ida vai para casa da tia, procura-se nas coisas mundanas de que a tia se alimentava (música, roupas, maquilhagem, álcool) No funeral, aparece o jovem músico. Ida, sem o hábito de noviça, acompanha-o.

- E depois? - Pergunta

- Depois a vida! - responde ele. Ida volta a vestir o hábito. Volta ao convento em silêncio.

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 Gosto de pão com manteiga, polvilhado com açúcar.

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